segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Guia prático do escritor comum

"Afinal, como é que se escreve?"  Essa pergunta é, ou tem sido, recorrente, de certa forma. Pessoas das mais variadas idéias, correntes e boas intenções se arriscam, vez ou outra, às pinceladas, tentando expressar o que querem e o que não podem, de forma não concomitante. Escrever é fácil. O difícil é se fazer entender. Muitos excertos publicados internet afora são muito barrocos ou, quem os escreve, pouco motivado à transmissão da mensagem. O lance da livre licença poético-trash é que qualquer coisa vira sinônimo de ser inteligente. Qualquer amontoado de palavras é poesia, ao que parece. E entre curtidas e recomendações - ruins - de livros - piores ainda - de romance (onde a capa já faz as vezes de spoiler) a vida segue com a fortuita alegria de um ou outro bons escritores que nascem por aí. A escrita livre deu mais liberdade, também, aos que a merecem e sabem usá-la. Mais que gratificante, é quase um alívio premeditado ler uma criança no auge curioso de seus doze ou treze escrever uma bela cantiga sobre uma flor que não desabrochou. Para uma criança, cuja capacidade de síntese é linear e sonhadora, a ideia de uma flor não abrir suas pétalas é quase um fim trágico num filme da Disney. Erro crasso na dialética da vida! Mas, pra elas, um choramingo desiludido acompanhado de uma levantada de ombros; a flor não merece, nem ela nem ninguém. Nesse lapso revelador, na angústia de menina, a quem recorre? À caneta colorida, surrada por letras de forma feitas com força. A força na grafia não é pela raiva, jamais. É pela cruel necessidade de fazer tudo simétrico e impecável. Duas ou três tentativas de iniciar, com rasuras por toda a primeira linha. E em meia dúzia de versos, sai a história mais bem escrita de todos os tempos. Simples, sem palavras no ar e sem verdades distorcidas: sério exemplo a ser seguido. Por mais custoso à menina, que viu seu estoque de boas idéias esvoaçar em vinte e seis palavras, escrever não é difícil. A chave para escrever bem é escrever com alma, todos dizem. Um baita clichê! Mas já rende uma boa escrita...

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Legalização e os algos a mais

Em um bom antiquário é possível adquirir umas daquelas revistas de esporte datadas de três ou quatro décadas atrás. Em folhas gastas, junto ao pó, o que se vê são propagandas coloridas com seus  slogans marcantes - e nada gastos. "Luiz XV - O requinte de ontem para a elite de hoje. Cia de cigarros Souza Cruz", grita a página. A força da indústria tabagista é tão grande ou maior que sua responsabilidade diante da idolatria dos que a incorporam à rotina o hábito de fumar. A propaganda é de 1962: momento chave na construção imagética do positivismo do ato banal de se acender um cigarro por luxo ou estresse. A indústria  - como um todo - fez o que manda a cartilha consolidando, sem concorrências, seu mercado à medida que as contraindicações se obsolescem. Seria, portanto, condizente justificar o triunfo do tabaco sobre a maconha por uma mera questão causal? A indústria chegou no tabaco primeiro e a mina de ouro se fez. Mesmo com o sucesso indiscutível das multinacionais do fumo, afirmar que a maconha não poderia ter tido o mesmo sucesso, caso fosse esculpida até virar negócio, é errôneo. E pode ser esse o porquê da polêmica. A legalização da maconha é discutida ao passo que o hermetismo de algumas gerações lhe dão uma conotação exclusivamente pejorativa. Droga e maconha surgiram, de mãos dadas, frutos do desapego e da crítica incisiva dos adeptos aos movimentos pró-paz e contra a guerras e governos, maioria que eclodiu nas décadas de 60 e 70. Coincidentemente ano em o cigarro Luiz XV foi enunciado nas capas de revistas. Com a imagem típica do "fora do padrão" a maconha virou símbolo de rebeldia, mesmo sendo a droga que menos danificava a saúde do usuário, em meio ao surgimento dos primeiros compostos de LSD, cocaína e até mesmo o álcool. A revista antiga clama, em frase curta, que o cigarro é objeto da elite. A elitização do produto foi também crucial; singelos dezoito anos são suficientes para que se possa fazer uso das mais de quatro mil substâncias químicas viciantes do cigarro. Obra do acaso, quem sabe. A maconha, consumida em sua maioria livre de outros produtos, faria o cigarro parecer um crime num universo alternativo onde os papéis fossem trocados. Mas é, entretanto, inaceitável.
Dois fatos recentes agitaram o assunto da nem tão utópica legalização. O atual presidente uruguaio José Mujica adotou a legalização do cultivo e venda da maconha no país. O pioneirismo não só quebrou as pernas do tráfico como suscitou a adoção de tal medida por parte de mais meia dúzia de países do mundo, que visavam interesses similares. A manobra atinge todas as classes - direta ou indiretamente - à medida que causa quase um constrangimento ao apequenas o gigantesco mercado do narcotráfico. A ação tomada por Mujica, obviamente, gerou polêmica ainda mais por parte de instituições religiosos e por camadas ortodoxas da sociedade uruguaia. A crítica quase fez tudo ruir, mas o presidente defende, veemente, tudo o que fez.
Outro fato é interessante é a incidência de casos de pacientes que fazem uso de remédios derivados da maconha para tratamentos em quadros de dores crônicas ou síndromes. A crítica leviana caiu em cima acusando de loucos os que utilizaram ou defenderam o uso do medicamento, mesmo sem saber que a falta do medicamento dificulta a cura ou recuperação. A grande questão é se os casos vão aumentar ao mesmo passo que o preconceito, não necessariamente apologizar. Mas, à luz da verdade, a hipocrisia de quarenta anos atrás não pode contribuir com uma involução social, tampouco com a ciência. A ilegalidade dos cifrões da maconha ainda se dá por um mero acaso? Fica a pergunta. E a polêmica.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

A Fábula do fanático

Desde sempre o excesso foi extravagante. Na arte medieval era vetado pela censura clerical que acreditava piamente que o rebuscado era demoníaco. Oposto a esses, vinham os artistas, verdadeiros pontos fora da curva que contrapunham-se ao hermetismo e à poda da criatividade. De um lado os excessivos de outros os suficientistas: maniqueísta, simples e fácil de entender quem é quem. No meio tempo, entre a briga entre as duas partes, ouve conflito; muitos sangraram para saber qual ideologia era mais válida. Na síntese de um período de mil anos em algumas linhas, é preciso, antes de tudo, ressaltar que a imagem do extremo para um ser racional, não importa o quanto dure, culmina em uma de duas conclusões: ou que uma das partes estava muito errada ou que ambas estavam. O grande motivo de uma disputa desvairada se mostrar ilógica é que, no final das contas, acaba prevalecendo a ignorância e o impulso do julgamento egoísta das partes em questão. E quando uma das duas prevalece o discurso surpreendentemente se inverte, nos dois casos. Ideologia vencida arruma desculpa e a vitoriosa reafirma a teimosia dizendo que não foi por acaso. Num resumo, o extremo só leva o nome por ser o que é e por estar aquém do plausível.
Da mesma forma que o fanatismo político levou a deposição de governos como o de Zelaya, em Honduras, e, de, forma mais violenta, o de Gaddafi, a busca pelo extremismo sempre foi a chave histórica pra se entender o porquê de tamanha apolitização das massas. Fatos sejam apontados. Há alguns anos uma mulher assassinou os pais para pagar o dízimo em sua igreja, cuja doutrina é um dos milhares de neoprotestantismos de hoje em dia. O fato ocorreu no Brasil. Jerusalém continua a receber os mísseis de longo alcance do Hamas, ameaça que cospe nos valores deturpados, ou até mal interpretados, do que realmente prega as religiões do oriente-médio. Em meio ao caos, mais de 70% da população teme e chora às rebarbas do Islã, enquanto mais de 20 dentre as vítimas são menores de 10 anos. Extremo, não é? É o efeito que gera. A neurociência já trata como doença, para que a  fé não faça as vezes de juiz e isso se perpetue. Fanatismo cria, alimenta e mata; junto às vidas perdidas ao longo da história, seja dito. A fábula segue à espera de uma moral ou que, pelo menos, a luz da razão permeie a irracionalidade dos que se cegam a qualquer que seja o pecado divino maior que o próprio que aqui cometem. Moral amoral da história? Livro Sagrado não é manual.  E, se for, que o editor tenha parcimônia (...)

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Texto_original: O Copiisimo de sempre

A eloquência de hoje em dia vem através da cópia. É mais rápido, menos desgastante, furtivo e os ardis já vêm pré-cozidos. É muito mais fácil ser original na desoriginalidade; e as chances de ser mentira ou de estar errado são muito menores. A consagração via trabalho alheio começa muito antes do Ctrl + C, é fato. Há histórias que relatam clubes alemães cujos membros se travestiam de Hitler à luz da guerra. Cover - ou sósia - de Elvis Presley é profissão hoje em dia. Teses de pós-graduação são pegas, na cara dura, em testes de plágio. E o suprassumo: cirurgias plásticas que outorgam ao paciente (cujo problema deve ser  psicológico) a face meticulosamente moldada em cima do rosto de um jogador de futebol ou boneco de ação. Antes do desacordo, é valida a questão: Por onde anda a autenticidade?
O comentário típico de qualquer admirador de banda é sempre favorável às músicas mais antigas. Isso, claro, devido ao fato que as faixas recentes são "mais do mesmo" e bacana mesmo é o primeiro álbum. Já caiu na tipicidade. Quem sofre é a música, uma maltratada viúva de Cássias e Caetanos contemplando o surrupio de Pink Floyd na versão tecnoestranha de alguma banda de axé universitário ou sertanejo de carnaval. Mesma melodia, mas falando de adultério: o "copiismo" acabou até com as regionalidades, da ginga ao funk. A prosa ribeira vistas na músicas caipiras se fundiu ao maxixe pernambucano e gerou um novo estilo, e isso é normal. A musicalidade brasileira sempre foi a miscelânea que foi, mas era original pela própria combinação, mesmo que vinda da boca de um repentista atrás do dinheiro do turista ou da melancolia escoada do dia azul de um sanfoneiro. O que preocupa é que esses estilos todos, frutos de uma razão de ser, são esquecidos à medida que a indústria musical enobrece os ritmos instantâneos e copiados, de sucesso efêmero e de rentabilidade altíssima por parte das gravadoras. O toque de Midas é mais fácil do que se imagina: batida conhecida, mas já obsoleta, somado à letra simples - comum ao público- e a qualquer figura carismática num papel de bode expiatório às avessas. Contas bancárias engordam e a galera vibra. Simples. Nada de novo, de novo. Dos sucessos de bilheteria, mais da metade é refilmagem. Pelo menos uma vez ao ano nasce um livro em que o personagem é um bruxo adolescente órfão. Sete em cada dez tatuagens são símbolos de infinito. O iPhone não é da Apple. Conspiração? Difícil a resposta mas, por vias das dúvidas, o texto não é original deste blog. Naming rights estão na moda.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Auto-cultura, não Alta cultura

O bocado de filosofia que se pratica é bem menor do que o punhado que se precisa. Não forçadamente a autorreflexão dia-a-dia nem tampouco os livros de autoajuda, com ou sem hífen, das prateleiras de alumínio de loja de (in)conveniência. Jamais isso. A questão é passar da conta no tempero de vez em quando pra tentar quebrar o insalubre do insalobro. Quebrar a malditez da rotina, do cru da alma e da falta de interesse pelo que é interessante. Arte, cultura, um cinema, um livro, dois livros, um teatro, um diálogo. Pode até parecer monótono, mas é justamente o contrário. O que está ao redor - e o cotidiano - ficam bem mais cativantes se você matura a cabeça e prepara o terreno. Torna uma viagem muito mais proveitosa e uma conversa muito menos debatóide. Discutir política então, imagine. A culpa da Dilma do PT do governo da poliça e do povão começa a ser um clichê que vai te dar aversão. E esse avesso ao senso comum é um dos primeiros sintomas de que se está no caminho certo. Aí vem o repúdio às livrarias de rede mais caras do que a Derrama do Brasil colônia e ao Big Brother; um coma quase irreversível. Até vir o constrangimento e pessimismo. Aí passou. A revelia para com o mundão e as burrices nele cometidas vai ser um alvoroço. Esqueça das fases de pupa: a transformação foi feita e efetiva. É claro que é sobre culturalização. E as vantagens para tal compensam bem mais, por mais que sua criticidade lapidada apure sua personalidade e te torne mais chato. Mas é uma mera questão de não se frustrar com toda e qualquer podridão que se vê por aí, por mais custoso que seja. Teu temperamento vai ser instável: ora a libertinagem, ora a cólera. Mas tudo faz parte do processo. Fato é que a vida acerca das coisas fica muito mais esclarecida. Por isso os dois lados do barco. Mas no momento em que se toma gosto por gostar de ter gosto por isso (não desista!) tudo fica mais fácil e a digestão é tranquila. Comece entendendo o que te apetece já que, de novo, a autorreflexão não deve ser imposta se não perde o sentido. Aí vira masoquismo e não é (em momento algum) a intenção do artigo. Se o caboclo gosta já é outra história.
O processo dura pouco pra alguns, muitos pra outros e tem os que nunca vão ler isso - ou sequer uma bula - e vão viver numa boa... E é aí que está o ponto, sua culturalização não tem bula. Culturalize-se do jeito que melhor lhe convier, faça ciência com seus próprios brinquedos. O primeiro passo tá em querer entender mais do que é interessante. Mesmo que seja só interessante pra você. E olha aí o bocado de filosofia que você precisava...

domingo, 4 de maio de 2014

Velho novo de novo

Poucos param pra pensar no porquê de o antigo ter mais valor. De uma maneira curiosa, as coisas se tornam mais significantes quando ligadas a algum resgaste antigo. Em especial, no comportamento. Salvaram do hippie qualquer coisa que não o antiamericanismo hostil e do punk-anos-oitenta tudo menos a repulsa anarquista. Quanto mais os moicanos. O que se vê são souvenirs dos Ramones. Mas de onde veio a tal atratividade pelo o que é de ontem? Falar em clichê virou senso comum - e clichê. O cunho dos movimentos que estampam as camisetas cult não estão em questão. Mas denota certa bagagem cultural mais significativa ser aquém do que aconteceu antes da própria geração. No fim é tudo questão de status, na maioria dos casos, já que se torna quase consensual (ou melhor, permitido) esbanjar um totem de alguma época sem ter a mais vaga ideia de sua real representação. A permissibilidade dos padrões de comportamento e a liberdade das tribos que se proliferam numa segmentação livre de preconceito - o "faz o que se quer" em termos gerais - cria pseudo-revolucionários num ajuntamento positivo de ideologia falha e um up no nível de cultura. O saldo final até que supera a vergonha de alheia de se deparar com os que vão às ruas lutar contra algo que eles ainda não decidiram. O curioso da história toda é que o desacerto do mundo não para no jeito de agir. A música contempla um baita choque fenomenológico entre faixas hiper-contemporâneas e os que morrem ouvindo Rita Lee a qualquer preço, remando contra a maré não acreditando em nada e duvidando da fé (...)
A presença sutil de um álbum anos setenta em alguém que nem de longe é dos anos setenta dá um tchan na coisa. Mesmo que não se ouça. O vintage é cultuado e ninguém nega. No melê nascem os Hipsters. O termo dá algo a entender, mas em síntese é a convergência dos avessos à modernidade. No vestuário, no jeitão de ser, no estilo, até mesmo em ser avesso. Não gostar é Hipster, muitos falam. Ninguém sabe precisamente quando nasceu, mas teve até certa discrição e agora toma conta de redes sociais, restaurantes japoneses e feiras de antiguidade. Mas há um grande paradoxo no desprezo hipsteriano. Virou um "museu de novidades", onde o icônico eBook, por exemplo, é a cara desses fãs da literatura quanto-mais-velha-melhor.
O que já passou faz bem aos olhos, concluamos então. Esquisito vai ser quando o novo ficar velho e o ciclo tornar a agir. Ou não, vai saber. Na dúvida é só esperar passar da validade pra ficar legal. 

domingo, 13 de abril de 2014

Memória viva e Schindlerianismo

O mundo é coercitivo. E amnésico. Sempre foi. E seguem bons indícios de que o primeiro se mantenha, por ora. O número de etnocídios ao longo da história contemporânea das civilizações - e a esse período me restrinjo - é tão estupidamente grande quanto a popularização de um ou outro evento, cuja erradicação foi mais efetiva porque a história toda foi bem contada em Hertz bicolores à ressaca da guerra. A reação espantosa do mundo ao saber que um milagre econômico veio de um atentado à vida ainda se processa. Mas tão espantosa é a febre alucinógena dos conspiracionistas que regam a cultura do negacionismo. Se por conforto ao colo da maior das mentiras ou pela fidelidade às mais variadas teorias - que abraçam do científico ao bizarro - verdade (e somente ela) seja dita que a noção dos fatos é uma das chaves pra que o cúmulo do hediondo não se reincida. A ideia da conscientização na marra é o que postula a primeira frase emplacada nos corredores do tour de visitação dos campos de Auschwitz, num lugar inadjetivável no sul da Polônia; apenas gélido, em todos os sentidos. "A verdade humana jamais fora tão ardil e inescrupulosa", noutra placa. A frase transgride os limites da história. Desde o massacre quinhentista ao indianismo, matando o que de imaculada tinha a brasilidade, os pelourinhos da colônia, a guerra de classes Europa afora, as guerras civis africanas, as imisturáveis Coréias, o câncer do apartheid, os dois lados do imperialismo. Eu prometi me restringir. Lance é que a memória não pereça com o número de nomes vitimados. O protagonismo, dos dois lados, deve ser esclarecido pra que não haja menor sinal de assimetria no que se ouve por aí. A iniquidade dos fatos é a insipiência dos que assim o fazem, no caso. Eufemizar a verdade acaba sendo o maior dos crimes. No auge da polêmica toda, uma exposição em Madri surge em prol do combate ao "travestimento da realidade". Em memória de Gilberto Bosques, cônsul mexicano na França no melê entre o fascismo de Franco e o começo da guerra, a mostra expõe fotos dos castelos que serviram de abrigo às centenas de recém fugidos da guerra civil. Nos arredores de Marselha, Bosques lutou secretamente contra a velha coerção do mundo em meio aos milhares de vistos que concedeu aos exilados que desejavam uma nova vida além-mar. Martirizado - e com razão - o cônsul latino fez das imponentes construções verdadeiros oásis de libertinagem civil, ganhando respeito da nação espanhola, que hoje o homenageia. Ta aí um trecho da história que não deve cair no desuso. Mais do que a exposição, o incessante resgate do fato é o que vale e nunca vai deixar de valer. Desmemoriado ou não vale a pena conferir as diversas exposições feitas por aí. Diga sim a "desburrecência" do homem através da verdade nua e crua. Pois ela sim, não se deixa esquecer.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Arte no desnude

A exposição artística, se não tão velha quanto à primeira lasca rupestre em alguma parede de pedra do norte da africa, é provavelmente criada logo em seguida. Inerente ao homem está a necessidade de reconhecimento pela própria crença, é plausível. Não fossem só os tracejos alusivos à caça bem sucedida, eram marcantes também as homenagens másculas dos marinheiros em desalento, corroídos pelo relento oscilante do tempo, na súplica de suas saudades além-mar, expressadas em âncoras e navios que os prendiam à perene e padecida alma na falta de suas amadas. Desalento, relento, do tempo, isso tudo. Era todo o ínfimo sentimento açucarado que se escondia entre as cicatrizes espartanas dos marujos de epopeia reduzida, se a licença poética nos permite, mais uma vez. Ao expor, no sentido claro do palavra, o que é seu por essência, aplausos sempre são bem vindos. Essa tendência artística começou a fazer sucesso no corpo no final do século XX com os adeptos de estilos musicais e culturais tentados a arraigar seus ideais na marra - o grande divisor de águas, determinístico para o sucesso da tatuagem até os dias de hoje. Os desenhos pendularam, tendo seus altos e baixos ao longo dos cem anos que universalizaram o estilo; de tristes marcas de guerra e alvos de surto de hepatite a considerações medicinais que acreditavam que o lance ajudava a preservar a pele. Fato é que a tatuagem é a ideia da exposição definitiva, do clamor, da imersão irrompível, do ato de assumir a própria cultura ou estilo, e isso, com certeza, acompanhou a volatilidade das tribos que nasciam na segunda metade do século. Do submundo hardcore do punk aos Joplinianos aglomerados no anti-americanismo do final dos anos 60, a marcação do corpo - à tinta ideológica - baseia-se, em sua maioria, no cuspe aos valores e à padronização. Os aplausos destas pós-exposições artísticas já não eram tão bem vindos. Mas as vaias, ah, se eram... Viva le société alternative!
Na mesmice de entrar na contemporaneidade, entra em cena o business em lata, o corporativismo e a (de novo) padronização vomitada pelos detentores de moeda (ufa!). Inevitável que venha à tona a ideia de que não restam espaços aos tatuadores e tatuados, tachados, de vez em sempre, de ex-presidiários ou desocupados.  Mais um preconceito à luz de fundamentos paupérrimos. E mais um motivo para as agulhas permearem peles por aí, seja lá qual for o molde no qual a noção de pertencimento alheia melhor se encaixe. O âmago da historia é ir contra a maré, e sempre foi... Já que tolerância, ao final, é ainda a grande obra a ser exposta. A cultura da tatuagem põe em cheque os que pregam, ou os que se dizem pregadores, do desapego imagético, já que são todos de um mesmo grupo martirizador do status. Denotação pejorativa pra uns, é sabido que na maioria dos casos descobrir um desenho estampado nas costas de um estagiário pode ser o critério de desempate, ou tornar ríspida uma conversa com uma atendente de loja. O tabu acerca de se ter um traço no corpo é tão grande quanto a jaguncez em torno da discriminação. E isso sim é muito bem exposto. 

terça-feira, 18 de março de 2014

Dançar conforme a letra, poesia curtida e curtir poesia.

Na biblioteca da Faculdade Livre de Berlim, cujo design em forma de "cérebro" rendeu diversos prêmios arquitetônicos, é possível encontrar a nata da literatura brasileira disposta em quatro ou cinco prateleiras. Do exílio romântico de Casemiro de Abreu - que nunca soara tão apropriado - aos melismas de Leminski, passando pela inenarrável sensação de ver o Sertão de Guimarães Rosa em duas outras línguas, tudo ali indicava uma epifania surrealista, dessas de  roteiro de filme trash-cult. Que interessante seria viver daquilo e largar o coxismo, se embriagando da vida boemia de um literário mal de grana à margem do mundinho monetarizado e conquistar uma legião de apaixonados. Essa vontade se explica, até pelo número de divisões feita na carreira de "letras": Literatura romântica, russa, esquerdista, analítica, e assim segue. A tendência de se haver uma especialização logo na graduação, é deveras disseminada na Europa toda. E isso, irremediavelmente, tem tudo a ver com o fato de que a pesquisa puramente acadêmica é incentivada sem o dever do empirismo. Isso gera uma liberdade criativa, fortalecida ao passo que a docência não é o único caminho a ser seguido e tampouco desencorajada. Que atire a primeira pedra quem nunca ouviu alguém dizer que "não quer morrer corrigindo prova", "não seja professor nesse país" ou coisa do gênero. A má remuneração explica mas não justifica. O desencorajamento tupiniquim de muitos jovens só incentiva o êxodo desses mundão afora... um baita desperdício de mentes tão promissoras e filhas de um país com literatura incomparável, seja dito. 

Livrescamente falando, um outro fato curioso é a poetização dos assíduos contribuintes das redes sociais. Ah, as redes sociais. Duvido que os precursores - desde a época orkut- imaginavam, no mais otimista dos sonhos, que as proporções seriam essas. Só em 2013 os números beiravam os 50 milhões. Cifras e ações à parte, o lance é que poetas no mundo inteiro nasceram com a facilidade de se procurar uma frase profunda e barganhar um punhado de curtidas. Esse surto de arrasa-corações não para aí; os escritores de ofício- cujas frases são ingrediente dos galanteios - têm seus nomes postos em versos da autoria de outros, e assim vai. Quem diria ver Lord Byron falando do amor de ninfas. Coisas da literatura... O certo deve ser cérebros em formato de biblioteca, e não o contrário. O prêmio seria geral. 

sábado, 8 de março de 2014

Luta e luto no finíssimo mercado.

À beira da casa dos 30 bilhões, o mercado artístico, em 2013, contempla o que foi o ano de maior prosperidade financeira em torno de seu principal produto - a tal da arte, por menos que pareça. A cúpula de críticos, entendedores e entusiastas do assunto, que compõe também os principais traders de quadros milionários, se torna cada vez mais adepta da pseudo-arte, protagonista das principais galerias e leilões requintados no cerne dos que se autoproclamam resgatantes da boa arte. Aparentemente dúbias, as avaliações acerca das obras responsáveis por levar as cifras da indústria a patamares absurdos, consagram critérios discutíveis e pincelam o rosto novo de Warhols e suas criações contemporânessíssemas. Não fosse só o remoer de corações desacertados e Belle Epoquenanos, a quem diga firmemente que a última sobra do sentido verdadeiramente artístico é surrada a cada acionista interessado em fazer arte de capital. O lance virou business antes mesmo do dito artista - como era de costume- ver-se obsoleto e, depois, ter seu valor reconhecido e suas gêneses como temas de livros e feiras mundo afora. Fato é que essa nova onda martirizadora de fazedores de arte, ironicamente chora a morte de um dos ícones da Nova Onda da sétima arte francesa dos anos 60. O diretor Alain Resnais, soldado de um movimento (esse sim!) aderente da créme de la créme do poetismo francês, morre com quase um século de vida e diversas premiações. Juntamente a outros cineastas da época, Resnais trouxe de volta à tona traços apoderados pela grande guerra. Não só pela censura vinda dos anos cinzas do meio do século, a Nouvelle Vague retratou o inconformismo vindo de um choque entre o novo e o velho em termos de fazer arte. Não só Resnais, Godard ou Truffaut, mas todo o conjunto resistente ao surrupio da guerra era retrato do que seria não só contínuo mas recorrente ao longo do século XX. Entre as pilhas de dinheiro taxadas nas esculturas e a pilhagem do âmago artístico, chorado pelos um pouquinho mais conservadores, o produto é até satisfatório. Entre mortes e lucro nem tudo é luto. Afinal, arte tem sido feita - por menos que pareça.