domingo, 13 de abril de 2014

Memória viva e Schindlerianismo

O mundo é coercitivo. E amnésico. Sempre foi. E seguem bons indícios de que o primeiro se mantenha, por ora. O número de etnocídios ao longo da história contemporânea das civilizações - e a esse período me restrinjo - é tão estupidamente grande quanto a popularização de um ou outro evento, cuja erradicação foi mais efetiva porque a história toda foi bem contada em Hertz bicolores à ressaca da guerra. A reação espantosa do mundo ao saber que um milagre econômico veio de um atentado à vida ainda se processa. Mas tão espantosa é a febre alucinógena dos conspiracionistas que regam a cultura do negacionismo. Se por conforto ao colo da maior das mentiras ou pela fidelidade às mais variadas teorias - que abraçam do científico ao bizarro - verdade (e somente ela) seja dita que a noção dos fatos é uma das chaves pra que o cúmulo do hediondo não se reincida. A ideia da conscientização na marra é o que postula a primeira frase emplacada nos corredores do tour de visitação dos campos de Auschwitz, num lugar inadjetivável no sul da Polônia; apenas gélido, em todos os sentidos. "A verdade humana jamais fora tão ardil e inescrupulosa", noutra placa. A frase transgride os limites da história. Desde o massacre quinhentista ao indianismo, matando o que de imaculada tinha a brasilidade, os pelourinhos da colônia, a guerra de classes Europa afora, as guerras civis africanas, as imisturáveis Coréias, o câncer do apartheid, os dois lados do imperialismo. Eu prometi me restringir. Lance é que a memória não pereça com o número de nomes vitimados. O protagonismo, dos dois lados, deve ser esclarecido pra que não haja menor sinal de assimetria no que se ouve por aí. A iniquidade dos fatos é a insipiência dos que assim o fazem, no caso. Eufemizar a verdade acaba sendo o maior dos crimes. No auge da polêmica toda, uma exposição em Madri surge em prol do combate ao "travestimento da realidade". Em memória de Gilberto Bosques, cônsul mexicano na França no melê entre o fascismo de Franco e o começo da guerra, a mostra expõe fotos dos castelos que serviram de abrigo às centenas de recém fugidos da guerra civil. Nos arredores de Marselha, Bosques lutou secretamente contra a velha coerção do mundo em meio aos milhares de vistos que concedeu aos exilados que desejavam uma nova vida além-mar. Martirizado - e com razão - o cônsul latino fez das imponentes construções verdadeiros oásis de libertinagem civil, ganhando respeito da nação espanhola, que hoje o homenageia. Ta aí um trecho da história que não deve cair no desuso. Mais do que a exposição, o incessante resgate do fato é o que vale e nunca vai deixar de valer. Desmemoriado ou não vale a pena conferir as diversas exposições feitas por aí. Diga sim a "desburrecência" do homem através da verdade nua e crua. Pois ela sim, não se deixa esquecer.

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